- FOGO CONTRA FOGO - Aprovação da reforma sacramenta consecutivas derrotas da agenda política da esquerda
Se vários atores da centro-direita poderão reivindicar os louros pela
aprovação de forma esmagadora em primeiro turno da reforma da
Previdência, Jair Bolsonaro (PSL) e Rodrigo Maia (DEM) à frente, caberá à
esquerda o papel de principal derrotada no conflituoso processo.
É claro que o texto ainda pode ser bastante mexido, com propostas
inclusive do conflituoso partido do presidente, e o parlamentarismo
branco que se insinua mais forte é um problema sério para Bolsonaro.
Mas, ao fim do dia, ele estava no campo dos vitoriosos.
A aprovação é uma espécie de terceiro turno perdido para o campo
liderado pelo PT. Como nas ocasiões anteriores, o fracasso poderia
ensejar reflexões e modulações de discurso; até aqui, o que houve foi a
repetição de padrões que não mais funcionam.
Recapitulando, o ocaso da esquerda brasileira teve pelo menos dois
episódios centrais anteriores. O impeachment de Dilma Rousseff (PT) em
2016, após a debacle econômica promovida pela presidente e a saraivada
da Lava Jato sobre o que sobrou do edifício ético petista, foi
essencialmente desestabilizador.
Na sequência, o impacto eleitoral: em 2016, com a perda de bastiões
importantes como a cidade de São Paulo no pleito municipal, e em 2018,
com a ascensão de Bolsonaro (PSL) à Presidência.
Tudo temperado pela
prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, líder petista que arrastou toda a
estratégia da esquerda para dentro de sua cela a partir do ano passado.
A agenda sempre foi regressiva. “Fora Temer”, “Eleição sem Lula é
fraude”, “Ele não”, “Ele nunca”. Nada exatamente propositivo, o que se
refletiu na derrota seguinte.
Uma vez instalado Bolsonaro e sua balbúrdia governamental em janeiro
deste ano, o Planalto viveu de uma única agenda estruturada: aprovar a
reforma. A esquerda, entre perplexa e raivosa, não conseguiu fazer muito
mais do que reagir com o fígado a cada agenda comportamental proposta
pelo bolsonarismo.
Ao longo dos anos, e estavam aí os remendos aprovados por Fernando
Henrique Cardoso (PSDB) e Lula para provar, a Previdência era uma
bem-sucedida cláusula pétrea no discurso esquerdista. Até hoje, mesmo
quando economistas insuspeitos como Nelson Barbosa defendem a
necessidade de abordar a questão, o tom geral é o do obscurantismo: “Não
há rombo!”, “Taxem as heranças!” etc.
Algo sucedeu no debate público que a esquerda não percebeu, e não foi
só a eleição de Bolsonaro. A percepção do problema previdenciário
mudou. Em abril de 2017, quando estava para ser avaliada a bem mais dura
socialmente reforma proposta por Michel Temer (MDB), 71% dos
brasileiros eram contra a ideia, segundo o Datafolha.
O projeto agora é outro, mais diluído, mas parece bastante improvável
que o brasileiro saiba isso em minúcias a ponto de mudar de opinião.
Ainda assim, em abril deste ano a taxa dos contrários era de 51%. Três
meses depois, agora, 44%, empatada tecnicamente com a aprovação agora de
47%.
A área de comunicação do governo dirá que foram eles que explicaram
as vantagens do projeto atual. Os bolsonaristas dirão que foram as redes
sociais e seu poder de convencimento.
A esquerda, que foi um conluio da
grande mídia.
Seja lá quem tiver a razão, o fato é que essa conscientização do
abismo fiscal à frente em termos simples (vai faltar gaze no hospital
etc.) parece ter colado e, assim, desanuviou o clima entre
congressistas. Como se sabe, deputado morre de medo de matéria
impopular, ainda mais com eleições municipais no ano que vem. Desta vez,
e por enquanto, algo mudou.
E a esquerda perdeu mais essa bandeira.
Com efeito, o real risco à aprovação não veio dela, que era voto
minoritário contado. Veio do Centrão, da massa amorfa de deputados que
aproveitaram para tirar a casquinha de sempre. Não foi nada casual a
liberação de oportunidade de verbas para emendas parlamentares antes do
voto.
Bolsonaro pode lembrar que orçamento é impositivo, mas o ritmo de
liberação é dele e foi usado com propósito claro, como candidamente
admitiu seu ministro da Saúde.
Naturalmente, a esquerda pode sempre contar com um fenômeno análogo
ao ocorrido na Rússia em 2018. Lá, o governo Vladimir Putin também
alterou a idade mínima das aposentadorias, meio que na surdina, no
começo da Copa do Mundo. Como Parlamento lá é um cartório do
Kremlin, a lei passou sem grandes discussões.
Começaram os protestos, e a popularidade enorme de Putin, na casa dos
80%, caiu para grandes, mas desconfortáveis para padrões locais, 60%.
Até hoje o presidente não se recuperou do tombo, ainda que tenha
atenuado aspectos da reforma.
Mas a comparação para por aqui, por
questões históricas óbvias, contextos econômicos distintos e pelo grau
de transparência do debate público. Também é possível para PT e aliados torcerem por um engasgo maior na
economia ou crises de outras naturezas, mas aí a matéria-prima é o
imponderável.
À esquerda local restará juntar os cacos retóricos e tentar descobrir
o que vender para o eleitor em 2020, que está na esquina. A acusação de
que direitos foram usurpados, que pode até ter alguma ressonância
apesar da ausência de contraponto propositivo, tende a cair na vala
comum do “Foi golpe!”, “Lula livre!” e outras bandeiras desgastadas fora
deste nicho específico.
The end.
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